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Empatia

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Empatia na Psicologia Analítica: entre o sentir com e o reconhecer o outro como outro

A palavra empatia tornou-se onipresente nas últimas décadas, sendo usada em contextos que vão da clínica psicológica à cultura pop. No entanto, na psicologia analítica, a empatia ganha contornos mais profundos e complexos. Não se trata apenas de “sentir o que o outro sente”, mas de um processo psíquico simbólico, que exige o reconhecimento da alteridade e o enfrentamento da própria sombra.

Neste artigo, vamos explorar o conceito de empatia segundo a psicologia analítica, embasando-nos nos principais dicionários junguianos, nas obras de Carl Gustav Jung e em autores contemporâneos que dialogam com essa tradição.

O que é empatia?

No uso geral, empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, compreender seus sentimentos e experiências de forma sensível. No entanto, a psicologia analítica traz um olhar mais sofisticado e, ao mesmo tempo, mais exigente sobre esse fenômeno.

Segundo Daryl Sharp:

“Empatia é uma função sentimento que permite ao ego reconhecer e responder ao estado subjetivo de outra pessoa, sem confundir-se com ela.”
(Sharp, Dicionário de Psicologia Analítica, 1994, p. 61)

Portanto, a empatia é, para Jung e seus seguidores, um movimento da função sentimento orientada para o objeto, que permite um contato real com o outro sem colapsar fronteiras psíquicas.

Empatia não é fusão

Um dos grandes equívocos no uso popular do termo é confundir empatia com identificação ou fusão emocional. Na psicologia analítica, isso pode ser perigoso.

Samuels, Shorter e Plaut alertam:

“A verdadeira empatia requer a manutenção da distinção entre eu e o outro. Caso contrário, pode-se cair na identificação projetiva ou na confusão inconsciente com os conteúdos do outro.”
(Samuels et al., Dicionário Crítico de Termos Junguianos, 1988, p. 75)

Quando não há essa diferenciação, o que ocorre muitas vezes é projeção: o sujeito acredita estar sentindo “o que o outro sente”, quando na verdade está lidando com aspectos inconscientes seus que o outro apenas mobilizou.

Empatia e função sentimento

Para Jung, a empatia está diretamente relacionada à função sentimento — uma das quatro funções da consciência (junto com pensamento, sensação e intuição).

Jung escreve:

“A função sentimento avalia valores, especialmente em relação ao outro. Quando orientada para fora, ela permite que alguém compreenda os estados subjetivos alheios, ainda que esses não sejam logicamente explicáveis.” (Jung, OC 6 – Tipos Psicológicos, §980)

Ou seja, a empatia não nasce da razão, mas de uma sensibilidade psíquica aos valores e afetos presentes no campo relacional.

A empatia como abertura à alteridade

No processo de individuação, cultivar empatia é mais do que um traço de personalidade: é um passo crucial na relação ética com o outro. Implica reconhecer que o outro é um mundo próprio, portador de símbolos, dores e complexos que não nos pertencem — e, justamente por isso, merecem respeito.

Von Franz destaca:

“Sem empatia, o símbolo do outro é colonizado pela nossa projeção. Com empatia, ele pode falar por si.” (Marie-Louise von Franz, A Alma e os Símbolos, 1980)

Armadilhas da falsa empatia

A psicologia analítica alerta para formas distorcidas de empatia, como:

  • Empatia projetiva: confundir os sentimentos do outro com os seus próprios;
  • Empatia compulsiva: necessidade neurótica de “ajudar” como forma de evitar o confronto com a própria dor;
  • Empatia narcisista: usar a empatia para ser admirado ou “espiritualmente superior”.

Essas distorções geralmente indicam material inconsciente não elaborado — especialmente conteúdos da sombra que são projetados nos outros sob a aparência de cuidado.

Empatia autêntica é trabalho psíquico

Desenvolver empatia verdadeira exige:

  1. Reconhecimento da própria sombra — sem isso, caímos na projeção;
  2. Fortalecimento do ego — que permite tolerar a dor do outro sem fusão;
  3. Função sentimento diferenciada — capaz de perceber os valores do outro sem julgá-los;
  4. Capacidade de escuta simbólica — para acolher o que não pode ser explicado racionalmente.

Como escreve Jung:

“Ser empático não é assumir a dor do outro como sua, mas permitir que essa dor seja vivida com dignidade e presença.”
(Paráfrase inspirada em OC 16 – Prática da Psicoterapia)

✨ Conclusão

Na psicologia analítica, a empatia é uma expressão sofisticada da relação entre ego e alteridade. É uma função que emerge da alma quando o sujeito se dispõe a sentir com, mas não por; a compreender sem dominar; a se abrir ao outro sem perder-se de si.

É um dom que se desenvolve, não uma habilidade automática. E como toda virtude junguiana, passa pelo crivo do inconsciente.

📚 Referências bibliográficas

  • Sharp, Daryl. Dicionário de Psicologia Analítica. Cultrix, 1994.
  • Samuels, Andrew; Shorter, B.; Plaut, Fred. Dicionário Crítico de Termos Junguianos. Loyola, 1988.
  • Jung, C.G. Obras Completas, Vol. 6 e 16. Vozes.
  • von Franz, Marie-Louise. A Alma e os Símbolos. Paulus, 1980.

 

Veja a análise do prof. Alcimar dos Santos Junior sobre esse tópico:

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O Instituto Esfera é um Centro Educacional Multidisciplinar formado por um coletivo de docentes oriundos de diferentes áreas de formação, que compõe o corpo editorial deste blog e a coordenação executiva e pedagógica dos diversos cursos de formação e pós-graduação da instituição.

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