Concretismo na Psicologia Analítica: o aprisionamento do símbolo em sua forma literal
No universo simbólico da psicologia analítica, compreender os modos de funcionamento da consciência é essencial para o trabalho clínico e para o processo de individuação. Um desses modos — muitas vezes negligenciado, mas altamente relevante — é o concretismo.
Trata-se de uma atitude psíquica que reduz os conteúdos simbólicos a interpretações literais e empobrece a relação entre ego e inconsciente. Neste artigo, vamos explorar o conceito de concretismo segundo Jung e seus comentadores, com base nos principais dicionários da psicologia analítica.
🔍 O que é concretismo?
Segundo o Dicionário Crítico de Termos Junguianos, de Samuels, Shorter e Plaut:
“Concretismo refere-se à tendência de interpretar os conteúdos do inconsciente ou da realidade psíquica como se fossem eventos ou fatos externos e literais.” (Samuels et al., 1988, p. 48)
Já Daryl Sharp define:
“Concretismo é a atitude que impede a percepção simbólica. Tudo é tomado ao pé da letra, sem mediação da imaginação.” (Sharp, 1994, p. 35)
Quando o símbolo vira pedra
O símbolo, para Jung, é uma ponte entre o consciente e o inconsciente, carregando um valor emocional e uma multiplicidade de significados. O concretismo, no entanto, rompe essa ponte ao reduzir o símbolo a uma única leitura objetiva ou factual.
Por exemplo:
- Sonhar com uma casa em ruínas pode simbolizar um estado interno em colapso.
- O concretismo, porém, faria a pessoa acordar preocupada com o telhado da casa real — perdendo completamente o valor simbólico da imagem.
Jung sobre concretismo
Jung frequentemente critica o concretismo como uma resistência da consciência ao inconsciente. Ele escreve:
“O concretismo é uma forma de defesa contra a experiência emocional. A psique concreta teme a ambiguidade do símbolo.” (Jung, OC 6 – Tipos Psicológicos, §741)
Ele observa que essa atitude concreta é comum em pessoas que se identificam excessivamente com a função pensamento ou que têm aversão ao irracional, ao ambíguo ou ao emocional.
Efeitos do concretismo na clínica
Na prática clínica, o concretismo pode se manifestar como:
- Dificuldade em lidar com metáforas e sonhos;
- Leitura literal de imagens e símbolos (ex: “Sonhei que morri, então vou morrer mesmo!”);
- Incapacidade de refletir sobre as próprias projeções;
- Rejeição da dimensão subjetiva ou interior da experiência.
Isso empobrece o processo de individuação, porque impede a ampliação da consciência por meio da elaboração simbólica.
Concretismo vs. simbolização
A simbolização exige uma atitude simbólica, ou seja, a capacidade de perceber que uma imagem ou acontecimento pode ter múltiplos níveis de sentido. O concretismo mata essa possibilidade — ele fixa, congela, empobrece.
Como diz Marie-Louise von Franz:
“O maior inimigo da psique é o pensamento literal. O símbolo precisa de espaço para respirar, para se expandir em direção à alma.” (von Franz, A Interpretação dos Contos de Fadas, 1970)
🎯 Como superar o concretismo?
Algumas atitudes que favorecem a saída do concretismo e o fortalecimento do olhar simbólico:
- Trabalhar sonhos com escuta simbólica, sem correr para conclusões práticas;
- Explorar imagens internas com amplificação, como propôs Jung;
- Suspender o julgamento lógico por um momento, para acolher o mistério do símbolo;
- Fomentar a imaginação ativa, que abre caminho para outras formas de expressão da psique.
✨ Conclusão
O concretismo é uma armadilha do ego racional — uma forma de defesa contra o desconhecido, o ambíguo, o misterioso. Superá-lo é um ato de coragem psíquica.
Como Jung nos lembra:
“Somente aquele que pode tolerar o símbolo, pode permitir que o inconsciente fale.” (Jung, OC 9/1, §302)
A atitude simbólica é, portanto, uma porta de entrada para a alma — e o antídoto para o empobrecimento literalista do concretismo.
📚 Referências bibliográficas
- Sharp, Daryl. Dicionário de Psicologia Analítica. Cultrix, 1994.
- Samuels, Andrew; Shorter, B.; Plaut, Fred. Dicionário Crítico de Termos Junguianos. Loyola, 1988.
- Jung, C.G. Obras Completas, Vols. 6 e 9/1. Vozes.
- von Franz, Marie-Louise. A Interpretação dos Contos de Fadas. Paulus, 1970.
Veja a análise do prof. Alcimar dos Santos Junior sobre esse tópico: